Capa da exposição

“Que você possa mergulhar nas narrativas entrelaçadas criadas de maneira singular e que minha arte se torne uma linha para reflexões profundas sobre identidade e liberdade.”

LINSKER MARIM

APRESENTACAO

O tecido que compõe a sociedade é, de certa forma, entrelaçado por tramas e fios invisíveis, assim como o tecido têxtil que usamos diariamente. Nas questões de gênero, essas tramas sociais representam as normas, papéis e expectativas que a sociedade impõe aos indivíduos com base no seu gênero. Assim como um tecido é formado por tramas horizontais e verticais, as tramas sociais de gênero são multifacetadas e interligadas.

Em uma análise mais profunda, podemos comparar as tramas do tecido com as estruturas que perpetuam a desigualdade de gênero. Assim como diferentes tipos de fios e padrões criam texturas únicas em um tecido, a diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais contribui para a complexidade da sociedade. No entanto, essas tramas sociais muitas vezes são tecidas de forma desigual, resultando em discriminação, estereótipos e preconceitos. Assim como o processo de tecelagem pode ser desconstruído e refeito para criar novos padrões, a sociedade pode e deve ser transformada para promover a igualdade de gênero. Isso envolve reconhecer e desafiar as tramas sociais prejudiciais, empoderando indivíduos a expressarem sua identidade de gênero autêntica e promovendo a inclusão e o respeito por todas as formas de expressão de gênero.

Definição da palavra transgressão

É importante notar que a percepção da transgressão varia amplamente de uma cultura para outra e ao longo do tempo. O que é considerado uma transgressão em uma sociedade pode ser aceito em outra. Além disso, o grau de aceitação ou rejeição da transgressão pode depender da gravidade do ato e das circunstâncias envolvidas.A transgressão também desafia a noção de conformidade e obediência, e pode gerar debates sobre ética, moralidade e justiça. Em alguns casos, a transgressão pode ser vista como uma forma de resistência contra estruturas de poder opressivas, enquanto em outros contextos, pode ser condenada como comportamento antissocial ou criminoso. Em resumo, a transgressão é um conceito amplo que envolve a quebra de normas e convenções estabelecidas. Ela desempenha um papel fundamental na dinâmica social e na evolução das sociedades, desafiando o que é considerado aceitável e promovendo a mudança e o progresso.

Neste trabalho, por meio de suas vivências e experimentações enquanto corpo travesti, a artista busca elaborar obras a partir da arte têxtil criando uma analogia entre o tecido e as tramas sociais de gênero destacando a complexidade e a interconexão dessas questões. Assim como podemos criar padrões e texturas únicas em um tecido, a sociedade tem o potencial de criar uma tapeçaria diversificada e igualitária ao reconhecer e desconstruir as normas de gênero prejudiciais.

SUBVERSAO DE GENERO

SUBVERSAO
DE GENERO

A desconstrução da ideia binária de gênero, historicamente fundamentada nos cromossomos (XX para mulheres e XY para homens), envolve questionar essa abordagem simplista. Reconhecendo a complexidade da identidade de gênero, é crucial notar que os cromossomos, embora contribuam para a determinação biológica do sexo, apresentam diversas variações, como na Síndrome de Turner (X0) e Síndrome de Klinefelter (XXY). Além disso, é essencial distinguir entre a predefinição biológica e a identidade de gênero. Esta última não é diretamente determinada pelos cromossomos, referindo-se à vivência interna e pessoal do próprio gênero, enquanto a expressão de gênero está relacionada às características socialmente atribuídas. Ambas podem variar independentemente dos cromossomos.

Muitos aspectos associados ao gênero, como comportamentos e papéis sociais, são construções sociais. Desconstruir a ideia de que características específicas são intrinsecamente ligadas aos cromossomos abre espaço para uma compreensão mais ampla e inclusiva do gênero. Judith Butler, filósofa e teórica queer, introduz o conceito de "performatividade de gênero", desafiando a noção de que o gênero é uma expressão estável e inata. Butler destaca que o gênero é uma performance socialmente construída, moldada por normas culturais. Paul B. Preciado, em diálogo com Butler, propõe o conceito de "gênero enquanto produto", conectando a performatividade de gênero ao consumo. Ele desafia as noções tradicionais de gênero, enfatizando como é produzido e reproduzido por práticas sociais e políticas. Reconhecer e validar as experiências de pessoas não-binárias é fundamental, desafiando a rigidez da dicotomia de gênero e destacando que a identidade de gênero é uma experiência subjetiva. A autodeterminação de gênero é crucial nos debates contemporâneos sobre identidade de gênero e direitos LGBTQ+, referindo-se ao direito de uma pessoa determinar como se identifica, independentemente de expectativas sociais.

Ao optar por uma abordagem subversiva que desafia as noções binárias tradicionais de gênero, destacando a complexidade e diversidade na biologia, identidade e expressão degênero, este trabalho promove um entendimento mais inclusivo, respeitando a autonomia das pessoas em definir suas próprias identidades.

MUNDO ROSA

A opção pela criação de um "mundo rosa" não é casual. Além de refletir a preferência da artista por explorar o monocromático, tons sobre tons e nuances da mesma cor, o uso consistente da cor rosa, em suas diversas manifestações, desempenha um papel crucial na construção estética que tece toda a narrativa.

No livro "A partilha do sensível," publicado em 2000, o filósofo francês Jacques Rancière investiga a interligação entre política, estética e percepção, introduzindo o conceito de "a partilha do sensível." Esse termo descreve como elementos sensíveis, como imagens, sons e palavras, são distribuídos e organizados na sociedade. Rancière argumenta que essa distribuição não é apenas uma divisão de objetos, mas também uma divisão política que molda o acesso ao sensível e à participação na vida política de diferentes grupos. Para o autor, a estética não está dissociada da política; ambas estão intrinsicamente ligadas. Ele sustenta que nossa percepção e experiência do mundo têm implicações políticas profundas, onde a partilha do sensível é central na determinação de quem tem acesso à política e quem é excluído. Criticando a ideia convencional de política baseada na representação, Rancière propõe uma política da igualdade, na qual a partilha do sensível permite que cada indivíduo expresse sua própria voz e participe plenamente na vida política.

MUNDO
ROSA

Rancière enfatiza a importância de uma estética da igualdade, onde diversas formas de expressão artística desafiam hierarquias sociais e políticas. Ele vê a arte como um meio de reconfigurar a partilha do sensível e, assim, questionar as divisões políticas existentes. Na obra "AISTHESIS," o filósofo introduz o conceito de "regime estético da arte," destacando a ideia de que a estética, nesse regime, não é mais exclusiva das elites. Ele argumenta que a arte contemporânea desafia as hierarquias tradicionais, permitindo que a experiência estética seja compartilhada por uma gama mais ampla de pessoas.

A imposição do "mundo rosa" como a representação exclusiva do feminino levanta diversas questões relativas a estereótipos de gênero, marketing direcionado e o impacto dessas representações na formação das identidades femininas. A associação arraigada entre o rosa e o feminino perpetua estereótipos culturais, insinuando que há características e preferências inatas ao gênero feminino, alimentando a ideia de que as meninas devem naturalmente se identificar com essa cor específica. O "mundo rosa" é frequentemente utilizado como estratégia de marketing para promover produtos destinados exclusivamente a meninas, contribuindo para a segmentação do mercado com base no gênero. Essa insistência em associar exclusivamente o feminino ao rosa pode restringir escolhas e interesses, influenciando a apresentação e percepção de brinquedos, roupas e atividades. Essa abordagem reforça a concepção de que determinados interesses são apropriados apenas para meninos ou meninas. Além disso, a imposição do "mundo rosa" negligencia a diversidade de experiências e identidades dentro do gênero feminino. Muitas meninas não se identificam com a cor rosa, e essa imposição pode excluir e marginalizar aquelas que têm interesses e preferências distintas. Movimentos contemporâneos buscam desconstruir estereótipos de gênero desde a infância, possibilitando que as pessoas desenvolvam uma identidade mais autêntica e diversificada, liberta das restrições impostas por convenções culturais limitadoras.

Ao imergir na criação do seu próprio "mundo rosa", a artista não apenas expressa sua criatividade, mas também promove uma reflexão profunda sobre a imperatividade de construir sua transfeminilidade a partir de estereótipos que tradicionalmente moldam as identidades cisgêneras. Nesse processo, ela desafia a prescrição cultural de características associadas ao feminino, buscando uma narrativa que vá além dos limites predefinidos. Ao questionar a necessidade de aderir a estereótipos convencionais, a artista abre espaço para a construção de novos elementos sensíveis no consciente coletivo.

Tecendo seu "mundo rosa" de maneira consciente e deliberada, a artista contribui para a ampliação do entendimento coletivo sobre as diversas expressões de feminilidade. Essa abordagem desafia a dicotomia tradicional entre masculino e feminino, destacando a fluidez e complexidade. Assim, sua prática artística não apenas é uma expressão individual, mas também um catalisador para a evolução do discurso social em torno da diversidade de identidades de gênero, impactando positivamente a conscientização coletiva.